Mercúrio, desmatamento e plástico agravam contaminação do rio Machado em Rondônia

Dos Varadouros de Porto Velho


O rio Machado, o mais importante afluente do rio Madeira dentro de Rondônia, já pode ser considerado um dos mananciais mais impactados pela contaminação ocasionada pelo garimpo ilegal, com o descarte indiscrimando de mercúrio em suas águas, o desmatamento, além de poluições já clássicas como o despejo de lixo (material plástico) e de esgoto sem tratamento. Também conhecido como Ji-Paraná, o rio Machado tem sua bacia principal localizada na região sul de Rondônia, onde se concentra a maior parte das terras ocupadas pelo agronegócio. O uso de fertilizantes e agrotóxicos é outro fator a agravar a contaminação, colocando em risco a saúde da população e da fauna aquática.

Juntos, os rios Machado e Madeira formam uma sub-bacia do Amazonas. No século passado, o Machado foi muito explorado por garimpeiros de diamantes. Tal qual aconteceu nos anos 1980 com maior frequência no rio Madeira, em Porto Velho, o mercúrio agora está presente em suas águas. O Machado, cuja bacia principal se localiza no município de Ji-Paraná, a 370 quilômetros da Capital de Rondônia.

Com o objetivo de compreender as mudanças e as características do ambiente aquático da região amazônica, a Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com a Universidade Federal de Rondônia (Unir), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), estudaram a contaminação por mercúrio e microplásticos em peixes do rio Machado.

Essa é a segunda maior bacia hidrográfica de Rondônia, depois do rio Madeira. Os pesquisadores encontraram elevadas taxas de mercúrio na espécie de peixe corvina. Foram coletadas amostras de cinco locais e examinado 64 tecidos musculares e 54 tecidos hepáticos, e comparando o tamanho dos peixes, o sexo e os períodos do ciclo hidrológico.

Os resultados confirmam que as concentrações de mercúrio (no músculo 1,09 ± 0,72 mg kg-1 e no fígado 1,28 ± 1,23 mg kg-1) estavam acima do permitido para consumo pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que estabelece 0,5 mg de concentração de mercúrio por grama. O estudo também observou que, quanto maior for o peixe, maior será a concentração de mercúrio.

Também foram estudados 1082 peixes e 332 (30%) apresentaram microplásticos no aparelho digestivo. Os peixes onívoros (que comem animais e vegetais) e insetívoros (que comem insetos), das praias arenosas mais próximas dos aglomerados urbanos, possuíam mais microplásticos no organismo, enquanto os peixes carnívoros (que se alimentam de outros animais) apresentaram maior quantidade de microplásticos no trato digestivo.

No total, foram encontradas 617 partículas de plástico nos tratos digestivos e cada indivíduo ingeriu uma média de 1,8 ± 1,6 microplásticos. O estudo constatou a ocorrência de fibras de plástico pretas (41%), azuis (18%), transparentes (14%) e os plásticos macios (8%) como predominantes.


A pata do boi e a soja nos barrancos do Machado

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mais de 50% da bacia do rio Machado foi desmatada até 2019. Atualmente, trechos do rio incluem áreas que sofreram alterações para abertura de pastagem, lavouras de soja, construção de centros urbanos e indústrias. O desmatamento contribui para a introdução de mercúrio no manancial, através do transporte do metal pela ação do sol e das chuvas.

“Essa região central do estado, muito próxima de onde foram coletadas as espécies, é uma região extremamente impactada pelo desmatamento. Portanto, vemos que isso é uma das principais questões. O desmatamento é um problema sério, principalmente nessa região central do estado de Rondônia”, diz Igor David, docente do Departamento de Ciências Exatas, Biológicas e da Terra (PEB) da Unir, e um dos autores do estudo.

“Ela não possui uma grande população, mas têm os impactos relacionados ao avanço do desmatamento e da pecuária no Norte do país. Essas questões estão relacionadas à concentração de mercúrio”, completa.

De acordo com o pesquisador, os resíduos plásticos minúsculos chegam ao meio ambiente afetando animais através das redes de esgotos sem tratamento adequado. “Tenho observado nos meus trabalhos que o grande motivo para a presença de microplásticos nos rios é o efluente doméstico. Nós, que trabalhamos com água doce, encontramos muita fibra de roupa, fibras azul e preta. Isso tem uma resposta: máquina de lavar. Lavamos a roupa, que é feita de plástico, e essas fibras se soltam das roupas”, afirma Igor David, mestre em biologia e doutor em ecologia.

Na região do Machado, as principais fontes de contaminação da água são: esgotos domésticos, resíduos industriais, lixeiras irregulares e o escoamento de produtos químicos agrícolas. Esses fatores causam a poluição por substâncias tóxicas, como óleo, graxa, nitrogênio, fósforo, bactérias patogênicas (que causam doenças no ser humano) e metais pesados.

A contaminação do mercúrio

O mercúrio é um metal pesado e poluente altamente tóxico, em razão da sua capacidade de acumulação ao longo da cadeia alimentar. A quantidade deste metal, encontrado em diversos ambientes da Amazônia, principalmente em ecossistemas aquáticos, é uma consequência das atividades do homem. Rondônia é um dos estados da Amazônia com intensa atividade do garimpo ilegal em suas bacias hidrográficas. O Madeira, na região da capital, é o mais afetado. Balsas e “fofocas” (locais de faiscação do ouro) fazem a exploração de ouro no leito do manancial aos olhos de qualquer pessoa.

O mercúrio é naturalmente encontrado na região em concentrações mais baixas. Porém, as ações humanas impulsionam o crescimento deste poluente (unindo a porcentagem natural com a decorrente do homem) no solo, na água, nos sedimentos, no ar, nas plantas e nos animais.

“Os peixes se alimentam e também servem de alimento para outros seres vivos. Por isso, é fundamental compreender como esse poluente está se distribuindo entre os organismos na cadeia alimentar. Esse estudo é ainda mais relevante em relação ao homem porque é questão de saúde pública. Afinal, comer um peixe com qualquer tipo de contaminação, principalmente por mercúrio, pode gerar complicações.”

A exposição de peixes ao mercúrio pode comprometer a reprodução, o crescimento e a imunidade. Os embriões expostos ao metal também podem desenvolver anormalidades, mudanças de comportamento e retardo no desenvolvimento, que reduzem as chances de sobrevivência.

No ser humano, a intoxicação por mercúrio pode causar distúrbios, especialmente em grupos vulneráveis, como gestantes, bebês e crianças. O mercúrio pode afetar os seres humanos em diferentes níveis biológicos, causando danos ao sistema nervoso e aos rins.

Por: Redação Varadouro /Acre/Montezuma Cruz